quarta-feira, 17 de março de 2010

Ôxente Hitler: arquivos e documentos mostram que os nazistas estiveram na Paraíba

Lembranças do nazismo na Paraíba 






A águia que representou a opulência e poderio do III Reich adorna, na Paraíba, a fachada principal de um templo católico: a igreja matriz de Rio Tinto, cidade litorânea da região metropolitana de João Pessoa. O prédio foi construído por alemães a serviço da fábrica local de tecidos que, juntamente com a Companhia Paulista (esta última na área metropolitana do Recife), já deteve a condição de o maior complexo têxtil fabril da América do Sul.
Alta, imponente e de linha arquitetônica tipicamente européia, a igreja foi construída a mando de Frederico Lundgren, no início dos anos 40, época em que a pequena cidade abrigava as famílias de 80 homens contratados na Alemanha para cargos técnicos e de direção da Companhia de Tecidos Rio Tinto.
A águia situa-se no lado esquerdo da fachada frontal da igreja, à pequena altura da calçada. É formada em alto relevo por tijolos aparentes que sobressaem das paredes de todo o templo. Do lado direito, à mesma altura, está uma harpa e a inscrição F.L., de Frederico Lundgren, também homenageado com estátua de corpo inteiro em um pedestal bem próximo dali.


A presença de espiões nazistas na Paraíba foi tão corriqueira durante a Segunda Guerra Mundial, que um certo Ernest Hans ensinava às crianças de Rio Tinto (45 Km ao Norte de João Pessoa), a marchar com a cadência do passo-de-ganso do Exército Prussiano. A fim de melhor popularizar a saudação marcial ao Füher, nesta parte nordestina do Brasil, ele mandava meninos e meninas colocar a mão direita em riste, juntar os calcanhares e gritar Ôxente Hitler! Este alemão, que sumiu misteriosamente quando sentiu a polícia nos calcanhares, criou a versão paraibana da Juventude Hitlerista. E teria deixado aqui um legado tristemente célebre, se o Exército não tomasse providências, colocando sob vigilância os operários teutônicos da Fábrica de Tecidos da família Lundgreen, hoje desativada.


Tudo isto acontecia no crepúsculo da Segunda Grande Guerra. Em João Pessoa, a delegacia Especial de Segurança e Política Social da Paraíba –DESPS – destacou-se como zeloso órgão da contra-espionagem, através do investigador policial Antônio Pereira Filho que, segundo os depoimentos da época, “sabia enxergar um súdito do Eixo a milhas de distância”. Se o suspeito possuísse sotaque estrangeiro, olhos azuis ou apertados, Pereira o encarava como um espião em potencial e o conduzia para o DESPS, para as chamadas averiguações.


Entre oito suspeitos conduzidos, três se aproximaram da verdade. O primeiro foi o alemão Gunter Heinzel, 28 anos. O policial pernambucano que o deteve na tarde de 24 de novembro de 1943, pedia aos peritos do Instituto de Medicina Legal da Paraíba que o identificasse. Gunther havia chegado clandestinamente a João Pessoa, no auge da guerra. Era acusado de ser um dos emissários de Hitler. E como tal, deveria ser confinado no Mosteiro de São Bento, em João Pessoa, ou em Camaratuba, no Litoral Norte. Em síntese, o policial trazia de Recife uma mensagem de rádio decodificada, que dizia ser Gunther “um súdito do Eixo Alemanha – Itália - Japão, contra as Forças Aliadas”.


A Paraíba era considerada pelos aliados o calcanhar de Aquiles da América. Motivo: muito próxima da Costa da África, poderia sofrer uma invasão de tropas conduzidas por submarinos ou navios. Ou seria porto apropriado para desembarque de espiões em suas praias ermas. Por causa desses fatores, era grande a pressão de ingleses e americanos – estes últimos já instalados na Barreira do Inferno, em Natal -, no sentido de obrigar as autoridades a exercer severa vigilância sobre as famílias alemãs, japonesas e italianas que residiam em João Pessoa e cidades próximas.


CABEDELO, RIO TINTO, JOÃO PESSOA E PITIMBU


A população nativa de Cabedelo, Rio Tinto, João Pessoa e Pitimbu, segundo os Aliados, seriam as mais potencialmente visadas pelos inimigos. As residências locais e casas de comércio eram submetidas a ocasionais exercícios de black-out. Os militares justificavam que este seria o melhor meio de reagir a um eventual bombardeio sobre as povoações costeiras (que nunca veio). Em Rio Tinto, onde havia famílias alemãs, surgia o boato de que os nazistas teriam instalado “um ninho de metralhadoras anti-aéreas” no Palácio dos Lundgreens de Vila Regina”.

Outras falácias insistiam na existência de rádios-transmissores nas casas dos operários alemães que trabalhavam para os Lündgreen, em Rio Tinto e Pitimbu. Nesta última cidade, uma barcaça da família Lündgreen foi vistoriada por patrulhas do Exército, sob a suspeita de que conduzia armas e equipamentos alemães. Fantasia? O que deixava a população com a mosca na orelha era a simpatia aberta que os operários alemães da Fábrica de Tecidos nutriam pelos patrícios nazistas.

Numa manifestação maior de apoio ao regime Hitlerista, os pedreiros alemães desenharam uma águia e o símbolo dos continentes na cinta do meio da Igreja de Rio Tinto. Dizia-se, então, que era a águia do Terceiro Reich e o cetro dos continentes que Hitler pretendia conquistar. Outro fato que aconteceu em 1943, trouxe maior clima de suspeitas sobre a presença de espiões nazistas na Paraíba.

A polícia de João Pessoa prendeu Horst Baron Von Strick, operário de nível da Fábrica de Tecidos Rio Tinto. Rastreado desde quando apanhou o navio Itatunga no Rio de Janeiro, ele foi preso em Cabedelo, durante o desembarque. Passaram a suspeitar de Strick por causa das estranhas perguntas que ele fazia aos passageiros do navio, interessando-se em apurar o número de soldados colocados de plantão na Costa da Paraíba e qual o tipo de armamento que eles usavam. Até hoje permanece a dúvida sobre a nacionalidade de Strick: a polícia não conseguiu descobrir se ele era alemão ou lituano.

Apurou-se que Strick fazia freqüentes viagens a Europa. E que quase não conduzia bagagem. Para obter um álibi de legalidade nesta prisão, a polícia anunciava que “prendia os cidadãos alemães para protege-los contra os exaltados”. Depois da prisão de Strick, gerentes, capatazes e encarregados da indústria de tecidos de Rio Tinto foram vigiados com mais rigor.

A operária alemã Helena Glacher foi presa e fichada com o prontuário de número 1304 (por coincidência um milhar de águia, o símbolo do poderio alemão). Alegou que estava sem emprego e que aquele era o motivo de andar perambulando por cidades brasileiras. Afinal, procurava ocupação. A polícia estranhou. Não acreditou que uma simples operária pudesse dar-se ao luxo de viajar assim. Mas acabou pondo Glaucher em liberdade.

Hans Ernst, o misterioso alemão de Rio Tinto, não sentia o menor constrangimento em ensinar o passo de ganso às crianças. Também fazia abertamente a continência à Heil Hitler, quando cruzava com superiores ou conhecidos. Ameaçado de prisão e linchamento, acabou fugindo para Campina Grande. De lá, sumiu misteriosamente. Estas e outras coisas motivaram a intervenção do Exército em Rio Tinto.

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