Raul de Góes, ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, era um escritor de texto maravilhoso e uma espécie de “diplomata” do Grupo Lundgren na antiga capital do país. É por isso, inclusive, que dizem ter sido os Lundgren que sempre ajudou nas suas campanhas políticas. Nada contra. Se era talentoso, o que merecia era receber apoios mesmo.
Raul deve ter escrito vários livros, mas confesso que só conheci um, “Um Sueco Emigra para o Nordeste”, no qual dedica um capítulo a coisas de Rio Tinto. Acho que somente uma pessoa tem esse livro em nossa cidade. Não digo o nome dessa pessoa porque os curiosos podem correr pra casa dela e ela reclamar comigo já que, temendo perder o único exemplar, não gosta nem de falar em emprestar.
Pois bem: Mas eu já tive a sorte de ler o livro. Muito bem escrito, gostoso de se ler e, claro, com muitas coisas interessantes. Ocorre que, nunca acreditei na história que Raul conta sobre como os Lundgren acabaram desembarcando e passando a morar no Brasil, mais precisamente no Nordeste.
É assim: Raul contou no seu livro que Herman Lundgren, pai do fundador de Rio Tinto, Frederico Lundgren (sim, aquele mesmo da estátua da frente da igreja da Praça João Pessoa) era um adolescente de 17 anos como outro qualquer em Estocolmo (capital da Suécia), mas eis que um dia começou a namorar com uma moça de uma família de nível econômico mais elevado e, sem querer, acabou provocando uma baita confusão.
É que a família da moça não gostava nem de ouvir falar no Herman. Herman, como sabemos, era filho de um homem de classe média baixa que trabalhava com couros e, como acontece até hoje em todo lugar, famílias abastardas, não curtem muito esse negócio de casar filha com rapaz pobre.
Os relatos baseados na realidade e as fábulas estão cheios de casos desse tipo, muito deles terminando em sumiços que a família rica acaba dando na moça, em casos de brigas e de mortes e até em suicídios.
Mas voltando ao caso específico, o fato é que Herman se apaixonou pela menina, ela também, de certa forma, por ele, e a relação familiar estremeceu ao ponto de, numa determinada noite, numa festa, Herman ser convidado a ser expulso do ambiente, situação que teria enfrentado de forma sofrida e melancólica.
Sofrida e melancólica porque, segundo Raul de Góes, desse lugar ele saiu sofrendo, chorando e, no caso, caminhando a esmo pelas ruas de Estocolmo. E já que estava assim, não queria ir pra casa, não sabia para onde ir e nem muito menos onde parar. Num determinado momento, percebeu que estava passando na frente do porto da cidade, desviou e, sem ser percebido pela tripulação, entrou num navio que estava sendo carregado para viajar. Tomou o rumo do porão do navio e lá ficou.
Até aí tudo bem. Sozinho ali, ele apenas chorava e lamentava a brusca separação da amada. Ocorre que, sem se aperceber e ainda sem ser percebido, no começo da manhã, o navio ganhou os mares e, além da amada, Herman começava também a se separar da Suécia.
Era o ano de 1855 e dois dias depois, impulsionado pela própria necessidade de comer e de beber água, Herman começou a se movimentar no porão e aí foi percebido por alguns tripulantes. É levado para o comandante, fala de sua sede e de sua fome e, compadecido, o comandante ordena os primeiros socorros. Herman é alimentado e volta ao comandante para explicar direitinho a situação.
Conta tudo, abre o jogo e, sem poder botar o navio de volta para levá-lo, o comandante decide apenas tomar os dados pessoais de Herman (endereço, nomes dos pais e tudo o mais), para, na primeira parada do navio, tentar contatos com a família do rapaz.
A primeira parada do navio era no Rio de Janeiro, com uma passagem em Salvador e um ancoramento um pouco mais prolongado no Recife. Teria sido assim que os Lundgren, segundo Raul de Góes, através de Herman, chegaram ao Brasil. Vários dias depois, o navio ancora na capital pernambucana, os contatos são feitos, e, através de funcionários da empresa do navio em Estocolmo, o pai de Herman é localizado e informado da situação.
Tudo, a partir daí, ficou mais calmo para todas as partes e, naturalmente acertado que, na volta do navio, o garoto Herman Lundgren voltaria para os braços da Suécia, mesmo que, nesse caso, não voltasse para os braços da sueca.
Mas já que Deus escreve certo por linhas tortas, o porto do Recife, como tantos outros desse país, era carente de intérpretes, e, inteligente como era, dominador de algumas línguas (na compacta Europa isso sempre foi normal) Herman acabou se tornando uma pessoa útil e, claro, até começando a ganhar algum dinheiro.
Naquela época, segunda metade dos anos 1800, as temporadas dos navios eram muito mais prolongadas do que hoje e Herman, além do trabalho de intérprete, começou a espalhar amizades pelo novo mundo – quem não gosta do Brasil (!?), e mais daquela Recife tão bem desenhada pelas mãos da natureza e do mais poeta dos arquitetos, Maurício de Nassau...!
E assim, caros leitores, quando chegou a semana do navio voltar, Herman já não tinham tanta vontade, o que obrigou novos contatos e nova peleja durante a qual o pai insistiu muito, mas terminou por concordar que o filho ficasse por mais algum tempo. Foi nesse “algum tempo” que tudo mudou.
Com as economias que ganhava como intérprete no porto, Herman foi se organizando em termos de novas investidas de trabalho e foi por isso que, ainda muito jovem, fundou uma fabriqueta de pólvora (a primeira do Brasil), empreendimento que cresceu e proporcionou a ele passar também para o ramo de confecções industrial e comercial.
Daí vieram a Fábrica de Tecidos Paulista, a Companhia de Tecidos Rio Tinto (apêndice da primeira), Lojas Paulistas, Lojas Pernanbucas, patrimônios pelas principais cidades do pais, terras em abundância pelo interior do Brasil, tudo o que, anos depois, a mídia e o povo passou a chamar de Grupo Lundgren.
Herman voltou a Suécia, mas não voltou para a sueca. Tanto é assim que casou com uma brasileira (Anna Elisabeth) e, seus filhos (Frederico e Artur, por exemplo), que muita gente pensa até que eram alemães, nasceram na rua da Aurora (Recife), numa casa que, num dia dos anos 80, na companhia do escritor João Batista Fernandes, eu mesmo fui conhecer.
Fonte: http://riotintopb.blogspot.com
Cefalium (29 de Agosto)
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